Em meio ao movimento Julho Sem Plástico, torna-se imprescindível falarmos sobre a profunda conexão entre este item tão difundido em nossa sociedade e a indústria da moda.
O movimento – que ganha repercussão pelas redes sociais durante todo o mês de julho – começou em 2011 por meio de ações da Instituição Earth Carers Waste Education, uma entidade que incentiva e educa a comunidade para o controle do descarte correto do lixo, bem como para a sua redução.
Depois de um longo período de campanha, em 2017, Rebecca Prince-Ruiz (uma das principais ativistas ambientais do mundo) fundou a Plastic Free July. Uma fundação independente e sem fins lucrativos que é movida pelo ideal de um mundo livre de resíduos plásticos.
Guiada pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, a fundação desenvolve ações práticas que podem ser implementadas em nosso dia a dia e estão disponíveis como parte do desafio proposto através do site oficial: https://www.plasticfreejuly.org/
O Plástico e a indústria da moda
De acordo com uma pesquisa realizada pela Textile Exchange, em 2018, o poliéster é a matéria-prima mais utilizada na indústria têxtil em todo o mundo. Aproximadamente 60% de todas as roupas desenvolvidas para abastecer o mercado de moda são feitas de plástico. O poliéster compõe o time das fibras sintéticas, originárias do petróleo.
A produção do fio de polietileno é bastante agressiva ao meio ambiente, uma vez que é proveniente de uma fonte não renovável e desencadeadora de diversos problemas ao planeta. Causados por seu processo de extração, manuseio e industrialização.
O cenário também se faz pouco promissor quando nos atentamos às etapas de confecção e descarte. Segundo o relatório A New Textile Economy da fundação Ellen Macarthur, aproximadamente 01 caminhão de resíduo têxtil é encaminhado aos lixões a cada segundo no mundo. Isso ocorre porque durante as etapas de “corte” e produção das roupas é comum que resíduos têxteis sejam dispensados e tidos como inutilizáveis devido aos seus tamanhos (que podem ser bem pequenos) e pela dificuldade em integrar novas modelagens dentro de um sistema convencional.
O Brasil se destaca por ser o único país do ocidente que ainda concentra toda a cadeia produtiva de moda: contempla desde o cultivo ou produção da matéria-prima, passa por todas as etapas de confecção e conclui na distribuição das roupas. Grande parte desse processo, como as confecções, está alocado no Estado de São Paulo, nas regiões do Brás e Bom Retiro. Mas, ainda assim, diante de tantas possibilidades, o país possui pouco ou nenhum incentivo para a reciclagem têxtil. A estimativa é de que apenas cerca de 20 empresas realizam a operação. (Como citado num estudo da pesquisadora Mariana Correa do Amaral pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades - EACH-USP).
A deficiência por mais empresas à frente desse tipo de serviço pode ser compreendida por diversos fatores como:
Baixo investimento financeiro para a ação: uma vez que é preciso investir em maquinário;
Dificuldade para a viabilização dos processos: quem será responsável pela coleta do que deverá ser reciclado? Quem arcará com os custos?
Compreender qual será o destino para o produto reciclado: teríamos mercado para absorver esse material? Vale lembrar que, tecidos construídos a partir do desfibramento de outros possuem, de acordo com sua construção, um apelo estético e maleabilidade diferente dos conhecidos tradicionalmente;
Mesmo diante de tantas necessidades para que novas operações possam surgir, a produção de matéria-prima virgem – advinda de processos tradicionais de extração / cultivo / produção – ainda pode ser economicamente mais interessante para grande parte do setor.
Diante de um cenário nebuloso e de tantas fragilidades, começamos a ver ações despontando como possíveis alternativas para mitigar o dano que nós mesmos causamos.
O PET reciclado
Talvez você já tenha se deparado com esse material em roupas, mochilas, calçados e outras peças. Trata-se de um tecido confeccionado através de fios advindos da reciclagem plástica.
Normalmente produzidos a partir da reciclagem de garrafas PET, redes de pesca recolhidas dos oceanos e centenas de milhares de outros produtos que foram descartados e podem se transformar em nova matéria-prima.
A iniciativa é positiva e se faz responsável por retirar da natureza toneladas de itens que demoraram centenas de anos para se decompor. Mas é preciso ir além.
Apesar de se tratar de uma ação de impacto positivo, ao olharmos para a coleta dos itens e tudo o que ela pode deixar de impactar negativamente o meio ambiente, ainda não é suficiente para resolver o próprio problema causado pela indústria têxtil. Afinal, continuamos produzindo roupas “plásticas”, descartando retalhos ou peças inteiras e somente reciclamos e renovamos plásticos resultantes de outros segmentos.
O fio da Poliamida Biodegradável
Além de alternativas para possíveis reduções quanto ao impacto do plástico que já está espalhado pelo planeta, começam também os avanços para tecidos tecnologicamente menos danosos ao meio ambiente.
Desenvolvido no Brasil pela Rhodia - uma das maiores empresas do segmento – o fio de poliamida biodegradável é capaz de se biodegradar na natureza em, aproximadamente, 3 anos. Para que isso possa acontecer, é necessário o descarte correto e seguir orientações previstas pela fabricante. Um fio sem as mesmas inovações costuma demorar mais de 50 anos para se degradar.
A poliamida costuma ser uma das principais matérias-primas para a confecção de lingeries, roupas de banho, peças destinadas para a prática de esportes e muito mais.
Nosso consumo
Imersos nesse modelo, ainda seguimos produzindo muito, desprezando demais e reutilizando quase nada. Estamos consumindo produtos de baixa qualidade, com grande impacto ambiental e com poucos cuidados quanto à manutenção. É a lógica de que tudo é perecível e descartável.
Ainda de acordo com o relatório A New Textile Economy citado acima, roupas feitas em poliéster são responsáveis por meio milhão de tonelada de microplásticos despejados nos oceanos todos os anos. Isso porque, quando lavamos nossas peças, microfios são eliminados juntamente com a água que sai de nossas máquinas. Fios tão pequenos e que não se prendem aos filtros ou outros adereços presentes nesses equipamentos.
O que fazer?
Podemos começar refletindo sobre nosso consumo!
Consumindo menos e comprando somente o que for necessário;
Se possível, dando preferência por peças produzidas em matéria-prima natural (mantendo atenção às transparências de suas práticas);
Escolhendo comprar roupas de segunda mão e participando de feiras de troca e outros eventos que estimulem um maior tempo de vida às nossas peças;
Cuidando melhor de nossas roupas, possibilitando que durem por mais tempo;
Resgatando o hábito de consertar nossas peças;
E em caso de não utilizarmos mais, nos responsabilizamos para que a peça seja destinada de forma correta para quem precisa ou a algum tipo de empresa que pratique a logística reversa de tais produtos.
Como diriam Caetano Veloso e Gilberto Gil em Divino Maravilhoso “...é importante estar atento e forte”.
Mesmo diante de inovações significativas e inúmeras instituições à frente de movimentos valiosos, ainda é preciso avançarmos em agendas que dialoguem com a implementação de melhores práticas e com as transformações em modelos econômicos, industriais e políticos.
Até o próximo papo :)
Fonte: Earth Carers Waste Education | Plastic Free July | Textile Exchange | ABIT | EACH-USP | Ellen Macarthur / Texto: Julia Codogno / Fotos: Pexels / Vídeo: Rodhia
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